segunda-feira, 20 de abril de 2015

Teve copa: e agora? (Copa da Fifa, protestos e eleições)

By Irenaldo Araújo   Posted at  11:50   Notas No comments



Há dois anos, ninguém, do governo ou da oposição, era contra realização, no Brasil, da Copa do Mundo de Futebol da FIFA. Lembram da vibração do governo, políticos e empresários? Todos previam e desejavam vantagens econômicas e políticas. Não se esperava que, tão cedo, aparecesse o fantasma de junho de 2013 anunciando: NÃO VAI TER COPA. Medrosos e astutos, os ratos começaram a pular de um navio ameaçado, sem desistir, entretanto, de tirar vantagens possíveis do desastre.

A FIFA nunca duvidou de que o governo brasileiro utilizaria a persuasão e as forças armadas para garantir realização da COPA. Não foi pouco o quanto a FIFA ganhou com isenção de impostos, venda de ingressos e exclusividade nas lanchonetes e bares das arenas. E quanta gente trabalhou de graça para a FIFA em todas as arenas? Copa das Copas! A emoção de uma nação é uma enorme mercadoria. Com quem no Brasil e no exterior a FIFA distribuiu o tanto de dinheiro que ela recebeu do trabalho pago e não pago dos trabalhadores brasileiros?
Os empresários brasileiros, exceto os da CBF, talvez não tiraram tanto proveito econômico da Copa. Os seus representantes, políticos de oposição ao governo, de olhos fixos nas próximas eleições, os mesmos que já tinham saltado do navio que parecia inseguro, tentaram faturar um previsível desgaste político do governo. Já não eram ratos pulando do navio, agora eram urubus esperando a morte de sua presa. Foi um tempo feio de críticas a agouro à Copa. Aqueles xingamentos à presidenta da República, na abertura dos jogos, pareciam expressar mais ódio e intolerância do que descontentamento político. E causaram medo por trazer à lembrança que a violência fascista e nazista tem sua origem na intolerância com as diferenças.
E os grupos que gastaram tanta energia com a campanha NÃO VAI TER COPA? Possivelmente cometeram dois equívocos. Não tomaram em consideração tudo o que, de modo consciente, subconsciente e inconsciente significa o futebol e uma Copa do Mundo. Ainda se está longe de conhecer a origem das emoções causadas pelo futebol. Seriam suas táticas e estratégias? A cooperação entre jogadores, equipes técnicas e serviços? Seria a bela coreografia? O corpo dos atletas teria alguma importância? Não seria também a competição entre grupos e nações? Não estão embutidos, nos passes e chutes tão certeiros, uma infinidade de cálculos instantâneos, matemáticos, físicos, afetivos e dispêndio de energias de tantas ordens? E o que mais?
A todos que tenham uma proposta ou uma concepção de mundo e que queiram torná-las mais coletivas, convém lembrar que está fadado ao fracasso quem não toma em consideração o sentir, pensar, querer, agir e se expressar de pessoas e grupos que se quer atingir numa proposta de intervenção. E teria chances de sucesso quem consegue tocar a alma das pessoas e grupos, cujos comportamentos e valores se pretenda modificar ou perpetuar.
O outro possível equívoco cometido na campanha NÃO VAI TER COPA seria explicado, por Gramsci, enorme autor italiano. Ele passou a vida, de 1920 a 1936, tentando conhecer e viver a teoria, as estratégias e táticas de mudança, no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, estágio definido pelas parcerias, alianças e enfretamentos dos muitos interesses dos grupos todos das sociedades atuais. Gramsci faz uma diferença entre luta cultural e luta política. Na luta cultural ele aconselha a atacar imediatamente os inimigos mais fortes que são os grandes autores que fazem a cabeça de muitos seguidores e repetidores. Caindo os grandes opositores, os pequenos (seguidores e repetidores) não se sustentarão. Já no caso da luta política se vai tentando derrubar os quadros inferiores e minando as posições superiores.
Os grupos do NÃO VAI HAVER COPA atacaram imediatamente a FIFA e o governo brasileiro, sem considerar que eles estão protegidos por muitas casamatas e fortalezas materiais e culturais. Não esquecer as lições de junho de 2013: como pegaram bem as reivindicações relacionadas com transporte público, saúde, educação escolar, segurança, mobilidade urbana, participação social, reforma política! Tudo isso faz parte das fomes do estômago e da alma da nossa gente.

A Copa tem um legado? A FIFA  seguramente está muito satisfeita, foi a Copa das Copas.Talvez as arenas e a infraestrutura seja bem utilizadas. É possível que os turistas estrangeiros tenham ficado impressionados com as belezas naturais do Brasil e a alegria e simpatia dos brasileiros. Pode ser que as urnas em outubro vinguem a falta de educação e intolerância na abertura da Copa. A oposição, no seu agouro, pode ter conseguido conquistar votos para seus candidatos.

O que, entretanto, parece inquestionável é que as manifestações e protestos das ruas e dos grupos de oposição ao governo colocaram o Brasil em questão. Em todas as conversas, em qualquer ambiente, se ouviam questionamentos do gênero: não é demais tanto gasto, num país que precisa muito de serviços de saúde, escolas, segurança, estradas, saneamento, infra-estrutura urbana, transportes coletivos...? Será que o país não sabe, não quer ou não pode definir melhor suas prioridades? Está certo a FIFA/CBF mandar tanto no Brasil? Não seriam esses questionamentos o grande legado da Copa?
Tantas queixas/desejos que vieram à tona antes e durante a Copa da FIFA, sem muito aprofundamento, não estariam sugerindo pistas para se tentar encaminhar bem a gestação e parto de algo que está pedindo para nascer?
E as eleições deste ano? Não sabemos, por acaso que o nosso modelo vigente de democracia se baseia fundamentalmente na compra de votos, trocados por dinheiro e promessas de empregos e outros favores? Quantos de nós conhecemos os candidatos que as cúpulas dos partidos impõem aos eleitores? Seria difícil supor que o voto comprado, em cada eleição, gera apatia política em quem é levado a sentir que política é algo sem valor, igual ao seu voto? E que pode gerar cinismo nos seus compradores e vendedores ao se brincar com política, quando se sabe, mesmo inconscientemente, que é a política que faz a gestão dos interesses, direitos e privilégios da sociedade? E pode também gerar indignação sem muita consequência em quem não vê alternativa para um modelo de democracia tão viciado?
Conhecendo tantos vícios da Democracia Parlamentar Representativa, não seria mais conveniente se abster em vez de alimentar modelo tão viciado? Vale votar? Alguém merece o nosso voto? Que poder teriam os candidatos bem intencionados nessa engrenagem tão comprometida com a manutenção dos privilégios dos grupos econômicos, políticos e culturais dominantes?
O modelo é viciado sim, mas ainda bem conveniente a um modelo econômico que diz se basear na liberdade abstrata de quem, para não viver as humilhações do desemprego, teve que vender sua força de trabalho na produção de bens e serviços. Diz também se basear na liberdade abstrata do indivíduo pobre que tem que se submeter aos péssimos serviços governamentais e privados mais baratos para conseguir a realização de alguns mínimos direitos básicos.

É conveniente sim, mas está em crise provocada pelo surgimento de muitos atores sociais reivindicando a realização e a própria gestão de seus interesses e direitos. Graças à luta generalizada de tantos novos atores sociais, os grupos dominantes foram obrigados a aceitar a ampliação da participação dos grupos subalternizados, com algumas condições: que não se passe dos limites e não se conteste a ordem capitalista. Eles sabem que alguns aperfeiçoamentos são possíveis, necessários e saudáveis para a manutenção da ordem atual.
Para os novos atores sociais subalternizados, nem a ordem capitalista, nem a Democracia Parlamentar Representativa permitem a realização de seus desejos/interesses/direitos. A Democracia Parlamentar que se limita quase só ao voto, não lhes permite participar da gestão das dimensões importantes de sua vida. E o capitalismo, que tem como principal objetivo o lucro obtido pelo trabalho não pago aos trabalhadores, os reduz à simples força de trabalho e vêem, impotentes, toda parte não paga do trabalho da sociedade ser apropriada privativamente pelos grupos capitalistas e seus aliados na sociedade.

Uma perspectiva política se impõe: saltar fora da lógica do capitalismo e da simples Democracia Parlamentar, procurando, em todos os momentos, construir um modo de produzir bens e serviços que resgate a cooperação e a solidariedade apropriadas privativamente pelo modo de produção capitalista e as transforme em forças produtivas para quem trabalha e para a sociedade. E que, em todos os momentos, se tente ampliar a participação, (entendida aqui, como exercício de poder), tão bem camuflada e limitada na Democracia Parlamentar Representativa. Em síntese, a vivência e libertação da cooperação, solidariedade e participação nas práticas econômicas (produção e circulação de bens, serviços e dinheiro) e nas prática explicitamente políticas no executivo, legislativo e judiciário, em nível nacional, estadual municipal, contestarão o capitalismo e já anteciparão um outro modo mais saudável de organizar e gerir a sociedade. Sem esquecer que a vivência da cooperação, solidariedade e participação em outros momentos da vida pode abrir o apetite para viver essas bonitas relações nas grandes práticas econômicas e políticas da sociedade.

Quem tem o projeto revolucionário de saltar fora da lógica do capitalismo e de ampliar a participação política, que partido tomar nas eleições que se aproximam, se todos os grandes partidos aceitam a ordem capitalista e a atual Democracia Parlamentar, com alguns retoques? Não existe, portanto, um grande partido revolucionário no Brasil. O drama é que a nova ordem não cai do céu e novos céus e novas terras não nascerão de um raio fulminante caído do céu. É algo a ser construído. Uma guerra de movimentos em que um exército derruba o outro o toma todos os palácios não parece mais adequada para um mundo tão complexo. O caminho para uma decisão, então, parece ser o seguinte: qual dos atuais grandes partidos criará menos obstáculos à realização dos direitos dos injustiçados da sociedade? Qual entre eles (seguramente nenhum é revolucionário) dará algum incentivo à autonomia das organizações da sociedade civil?

Quem assim proceder pode estar facilitando a luta pela passagem do capitalismo e da democracia restrita para algo que traga mais vida e mais alegria.
                                                                                                         
Ivandro da Costa Sales[1]

[1] Sítio Mãe Liquinha. Taperoá, PB, julho de 2014. O autor, professor universitário aposentado, eventualmente presta assessoria em Gestão Democrática, Análise de Conjuntura e Metodologia de Educação Popular a organizações governamentais e civis 

Sobre Irenaldo Araújo

Educador, graduado em Pedagogia e Especialista em Psicopedagogia, pelas Faculdades Integradas de Patos; Especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, pela Universidade Federal de Campina Grande; Mestre em Ciências Florestais, pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Florestais, da Universidade Federal de Campina Grande; Doutorando em Educação, pelo Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba (Campus I).usto.
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