segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um triste desfecho

By Irenaldo Araújo   Posted at  16:45   No comments

Não se fala em outra coisa: o desfecho triste de uma ave criada como animal de estimação por duas mulheres no sertão da Paraíba e que fora sequestrada por um jovem, que buscava arrecadar objetos para saciar o seu vício.
Somente entende a atitude desesperada destas mulheres quem cria algum ser com estima. A relação é tão profunda que a pessoa se projeta e passa a ver neste ente uma extensão do seu ser. A ação de estima leva o indivíduo a atribuir valores que deveriam ser dado a seres que lhes são semelhantes, uma espécie de antropomorfismo. A pessoa passa a cultuar tal ser, oferecendo-lhe o que de melhor estiver ao seu alcance. Tem crescido muito as lojas especializadas para satisfazer aos mimos de tais animais. Quanto mais o custo for elevado dos filhotes, mas a pessoa se projeta como alguém de alta condição econômica. Quantas pessoas não se relacionam com tais animais e até conversam com eles, tratando-lhes melhor do que as pessoas que lhes servem. Tudo parece tão natural que as pessoas acham até bonito quando no possível diálogo, a pessoa se dirige chamando-lhes de filhos ou filhas. Em algumas cidades, em épocas de missão ou nas festas dedicadas a São Francisco, abre-se espaço para bênçãos a estas criaturas divinas. Muitas vezes ocorrendo cenas cômicas nos ambientes sagrados, quando se reúnem para receber as bênçãos caninos e felinos. Certo líder religioso, certa vez, para aplacar tamanha ira, encontrou uma solução simples: as pessoas que traziam cães e gatos ficassem em lados opostos. Neste ano o culto não houve problemas.
Esta relação do ser humano com animais de estimação é tão presente que vários são os autores que procuram apresentar desfechos hilariantes, sendo um dos mais famosos em nosso meio, o contato por Ariano Suassuna, em “O Auto da Compadecida”, onde a dona de um cão, após sua morte, somente se conformaria se o padre fosse fazer a encomendação do defunto e tão celebração deveria ser feita em latim (uma espécie de língua sagrada naquele momento), mas o que parecia ridículo, tudo passa a ser amenizado quando se fala numa possível herança deixada pelo ente querido. Há alguns anos atrás, numa cidade do Vale do Piancó, um senhor queria o mesmo desfecho para o seu animal de estimação, pedindo que o sacerdote fosse dar uma bênção, em língua vernácula mesmo, mas o seu pedido não houve êxito.
A benéfica relação do ser humano com animais de outras espécies tem se mostrado tão salutar, que alguns especialistas aconselham para pessoas que estão um tanto desoladas, como uma espécie de terapia. Quem tem posses adquirem filhotes de gatos, cães e até de animais maiores. Quem tem condições faz até equoterapia.
A atitude desesperada de quem tem um ente subtraído é procurar ajuda: vizinhos, amigos, órgãos de segurança, imprensa. Quem perdeu sente a perda de um pedaço do seu ser. Mas, tal busca se torna hilária quando as pessoas passam a julgar pelo valor material. Para que tanto alvoroço por tão pouco. Mas ela não é um entre tantos, é o ente querido, que tanto ajudou...
Quanto à imprensa noticia, mesmo com a seriedade dos fatos arrolados, há uma dificuldade de se entender que não é um ser entre tantos, o ser subtraído é um ente especial.
As pessoas começam a acessar tal notícia. A repercussão assusta até mesmo o jornalista. Logo vira manchete no estado e até no país. As pessoas pensam que se trata de uma comédia. Não é um fato real. Roubaram uma galinha. As pessoas filhas da cidade em questão, até se esquecem que o nome da cidade faz referência a um grupo aves, que viviam em paz numa lagoa, sentem vergonha. Como pode... não tem outra notícia a ser dada.
Aquela galinha ocupa as páginas policiais. E as pessoas que antes se deleitavam apenas com as notícias sobre violência no trânsito, desrespeito aos direitos humanos, tráfico de drogas, corrupção... agora se veem obrigadas a ouvir a história de uma galinha. Não! Que vergonha.
De imediato, artistas locais, perfurando este solo árido, num insight, resolvem comunicar o fato, através de uma bela melodia, numa letra sem apelação, ganham logo o gosto da multidão. Mas uma vez há protestos. Pois as pessoas estão acostumadas somente com ritmos que projetam grandes barulhos, enquanto, de forma sincrônica, pessoas descem as cadeiras até embaixo, com passos que mais lembram uma espécie de transe erótico. Todos dizem: animal quer sair da toca.
E os protestos continuam. Isto é uma falta de respeito. Põe em xeque os valores morais, religiosos... A ave de estimação mais uma vez ocupa até espaços sagrados (do campo santo aos templos). Os ânimos se acirram. Saem notas de repúdio. Há quem procure até transformar num evento político. Diante dos fatos, somente nos resta pedi a uma Ave Sagrada, símbolo de suprema divindade, que está presente desde os tempos mais remoto, que ajude a acalmar os ânimos das multidões. Que ajude a compreender o que é essencial e o que é acessória nesta história.
Mas... e o rapaz que subtraiu os bens daquela família. Ninguém fala. Já está pagando pelo que fez! Chamam até de alma sebosa. Não seria mais interessante que as pessoas físicas e jurídicas tivessem mais preocupadas com a causa que levou este jovem a ter tal atitude? Que ocupassem mais tempo nas tribunas convocando as multidões para se mobilizarem para a derrota do mal que assola famílias inteiras, que veem subtraídos aqueles que deveriam ser os bens mais preciosos?
Uma galinha que não tinha preço, trocada por duas pedras de crack, que está corroendo vidas que não têm preço: cada pessoa é templo de Espírito Santo... Quando uma sociedade se escandaliza com o desfecho dado a morte de uma galinha e trata com frieza a morte de seres humanos... marchamos para um triste desfecho.













Sobre Irenaldo Araújo

Educador, graduado em Pedagogia e Especialista em Psicopedagogia, pelas Faculdades Integradas de Patos; Especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, pela Universidade Federal de Campina Grande; Mestre em Ciências Florestais, pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Florestais, da Universidade Federal de Campina Grande; Doutorando em Educação, pelo Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba (Campus I).usto.
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    Educador, graduado em Pedagogia e Especialista em Psicopedagogia, pelas Faculdades Integradas de Patos; Especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade, pela Universidade Federal de Campina Grande; Mestre em Ciências Florestais, pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Florestais, da Universidade Federal de Campina Grande; Doutorando em Educação, pelo Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba (Campus I).